quinta-feira, 14 de abril de 2011

Tatiana Pavlova - Piano Complete works for solo piano - Sergei Rachmaninoff - Vol I [Cd Duplo]


I-Tunes:

Estamos presentemente rodeados por uma profusão de pianistas que parecem ter obviamente uma só ideia fixa: “impressionar o público pela sua velocidade, força e precisão”.

Para eles, o objectivo é a técnica. O que se torna de facto muito triste!

É pois refrescante e um genuíno prazer ouvir Tatiana Pavlova, pianista da escola romântica, que interpreta Rachmaninov com amor e devoção, utilizando os seus conhecimentos técnicos como um meio, um elemento básico, que lhe permite tocar com naturalidade e

concentrar-se totalmente na estrutura, significado e beleza da música.

O som e a imaginação desta artista, metricamente flexível, são soberbos a ponto de me fazer crer que o próprio Rachmaninov se teria sentido agradado com as suas execuções.


Príncipe Tibor Yusti von Arth

(Único aluno de Rachmaninov)


Informação detalhada:

Sergei Rachmaninov (1873-1943)


Sergei Vassilievitch Rachmaninov nasceu em 1873 na província russa de Novgorod, em uma propriedade da velha nobreza rural. Fez os seus estudos em S. Petersburgo e Moscovo, terminando o curso no Conservatório desta cidade com brilhantismo e medalha de ouro, em cujas provas finais apresentou o seu Concerto para Piano e Orquestra e a ópera Aleko (1891-2). Bem impressionado com o jovem promissor, Tchaikovsky ainda o incentivou antes da sua morte (1893). O mau acolhimento que em 1897 teve a sua 1ª Sinfonia em S. Petersburgo, causou-lhe uma grave depressão só vencida quase três anos depois, aliás com o sucesso da criação do 2º Concerto para Piano e outras obras importantes. Paralelamente, a sua excelente formação musical e talento multifacetado cedo revelaram os seus dotes de pianista e chefe de orquestra. Iniciou a sua carreira pianística com uma tournée pela Rússia (1893) e no estrangeiro (Londres, 1899; EUA, 1909). Da sua actividade de chefe de orquestra (desde 1897), destacam-se os cargos de director do Teatro Bolchoi de Moscovo (1904) e da Ópera Imperial de S. Petersburgo (1912); viria a dirigir mais tarde outras formações sinfónicas notáveis (como as orquestras de Boston e Filadélfia). Datam de 1898 e 1900 os seus primeiros contactos com Chaliapine e Tchekov. Pelo país deu uma série de concertos com obras de Skriabine, à sua memória, aquando da sua morte (1915). Após a Revolução de Outubro 1917, Rachmaninov deixou a Rússia, um afastamento que se tornou definitivo e pelo qual jamais deixou de sofrer - o que veio a acentuar o seu natural temperamento melancólico e introspectivo, e transparece como que premonitoriamente na sua música. A maior parte de toda a sua obra foi escrita até 1917, o que se poderá atribuir, não só ao corte com a sua fonte pátria inspiradora, mas também, obviamente, à fulgurante carreira concertística desenvolvida após 1918. Esta via granjeou-lhe extraordinária fama, nomeadamente de grande mestre do piano; repartiu-se alternada e intensivamente entre a Europa e os Estados Unidos; e fê-lo estabelecer relações profissionais com outros grandes músicos da época (entre os quais, Mahler, que dirigiu o 3º Concerto com o autor ao piano, Stokowsky, Ormandy, Horowitz,
Kreisler, com quem formou um duo de música de câmara). Viria a falecer na Califórnia em 1943.


Ao inclinar-se, num gesto de adeus doloroso, perante o solo da sua pátria, Rachmaninov não podia imaginar que, anos depois, em 1941, a seguir à invasão nazi do território soviético, se sentiria impelido a enviar uma generosa contribuição para o Exército Vermelho, sob forma pecuniária, de medicamentos e equipamento radiológico, a que juntou breves palavras “De um Russo, (…) para o povo russo em luta (…) Sergei Rachmaninov”. Isto apesar de, logo nos começos da guerra civil, lhe terem pilhado e queimado a sua casa familiar de Ivanovka, onde escrevera muitas páginas de música.

Esta veneração à terra e ao povo russo, que tudo sobrelevava, foi predominante na sua vida e pairou sempre sobre a sua obra, marcada por características e simbologia que os define - as diversidades contrastantes e contraditórias, a omnipresença da cultura russo-europeia e as alusões à incursão e tradição asiática; - a exteriorização típica de sentimentos exacerbados, de alegria, tristeza, nostalgia, ternura, barbárie, heroísmo, pessimismo, amargura, resignação, fatalismo, obscurantismo; - o misticismo e a fé profunda, a liturgia ortodoxa russa, os ícones, o cantochão, os coros impressivos ou angélicos, os majestosos mosteiros, a feição, cores e revestimentos dos bolbos das igrejas, o ouro e as miríades de pedras preciosas, os sons dos sinos, do tilintar incessante dos pequeninos aos maiores; - o povo humílimo, a etnia cigana, as aldeias, as feiras, a cor, riqueza e decoração dos costumes populares, os cantos e as danças, as troikas e os guizos, o inverno, o vento ululante, a neve, o mistério da noite; - os abetos, os bosques imensos, o silêncio e os odores, o piar das aves, o grasnar dos corvos; - as lagoas, os charcos, os rios largos e espraiados; - a planura mono ou multicolor, os silvos, o grito ao longe, as gaivotas que descrevem largos círculos e planam na imensidão… 
Tudo isto grande parte da música de Rachmaninov evoca; ou, com mais rigor, pode eventualmente evocar se houver empatia e predisposição mental para o efeito. Outras obras nascem de sugestões e afinidades literárias e pictóricas, de raiz russa ou não. 
A sua produção musical percorre quase todos os géneros e propõe uma variada gama de realização instrumental e vocal. Inclui 45 números de opus e um grupo de obras sem numeração, quase tudo escrito até 1917 (op. 39), pelos 34
anos do autor; seis foram compostas após essa data. Do conjunto, eis uma listagem essencial:

- piano solo: 2 cadernos de peças diversas, 6 Momentos Musicais, 23 Prelúdios, 2 Sonatas, 17 Estudos-Quadros, 2 cadernos de Variações;
- piano a 4 mãos: 6 Duos;
- 2 pianos: 2 Suites;
- música de câmara: Sonata para Violoncelo e Piano; 2 Trios Elegíacos;
- orquestra: 4 Concertos para Piano, Rapsódia sobre um Tema de Paganini; 3 Sinfonias; poemas sinfónicos, de entre os quais A Ilha dos Mortos; Danças Sinfónicas;
- voz e piano: mais de 8 dezenas de Canções (mormente de poesia russa);
- solistas, coro e orquestra: cantata A Primavera; Os Sinos (tradução russa do poema de E. A. Poe); Três Cantos Populares Russos;
- óperas: Aleko; O Cavaleiro Avarento; Francesca da Rimini;
- coro a cappella: Liturgia de S. João Crisóstomo; Vésperas.

Uma parte considerável, mesmo destas suas obras significativas, não é ainda muito conhecida ou apresentada no
Ocidente; por exemplo, a 1ª Sonata para Piano, os Trios ou as Canções e a música vocal em geral.
Sergei Rachmaninov, possuidor de um grande domínio do ofício de compositor, permaneceu na senda da evolução natural da sua própria linguagem, sem optar por outras vias musicais que iam despontando pelo início do século. O seu estilo filia-se genericamente na linhagem de Tchaikovsky, sem jamais revelar epigonismo, reunindo um conjunto muito pessoal de características que o torna amplamente reconhecível. Poderosa expressividade emocional, sonoridades magníficas, russismo intrínseco; inspiração lírica, nobre e subtil, não raro sombria. Rasgo melódico generoso, de longo fôlego; hábil circulação e permuta de vozes internas; grande e incisiva vitalidade rítmica; um tecido harmónico riquíssimo, requintado e pessoal, esplendoroso em muitos momentos (miríades de pedrarias), revestido, quando é o caso, por uma orquestração magistral e sumptuosa (aliás na grande tradição russa do séc. XIX). Ornamentação típica definida por uma multitude sonora de vertiginosos desenhos cintilantes (por exemplo, na região aguda do teclado). Na música cénica, grande sentido do teatro e de ambiência. Concepção vocal religiosa de intensa interioridade espiritual, muito fidelizada aos cantos ortodoxos.
Rachmaninov, profundo conhecedor do piano (o meio mais adequado à sua grande força inventiva), inovou em múltiplos dos seus aspectos técnicos, sondando todas as potencialidades sonoras e percussivas do instrumento, mediante uma escrita virtuosística mas perfeita.
A composição dos dois cadernos de 17 Estudos-Quadros, op. 33 e op. 39, data, respectivamente, de 1911 e 1916-7. Após ajustes de ordenação e numeração estabelecidos pelo autor, o op. 39 ficou a contar 9 peças. É a última obra para piano solo que Rachmaninov escreveu no seu país, ainda em 1917 por si estreada em Petrogrado. Trata-se não só de um cume da sua obra para tecla, repleto de escolhos técnicos, jogos de contrastes, cores e texturas (a justificar o termo Estudos), mas também de peças não descritivas, concisas, plenas de tensão dramática. O segundo elemento do título prende-se com sugestões recolhidas de quadros pictóricos (à semelhança de A Ilha dos Mortos, de 1909, inspirado numa pintura de A. Böcklin); quando o compositor italiano O. Respighi orquestrou em 1930 algumas destas peças (nºs. 2, 6, 7 e 9 do op. 39), com a autorização do autor, este referira-lhe imagens - o mar e as gaivotas, o capuchinho vermelho e o lobo, marcha fúnebre, e marcha oriental - a que antes se abstivera de aludir. O teclado é quase exaustivamente explorado nestes estudos: muito elaborados, dificílimos, voantes ou fogosos (nºs. 1, 3, 4, 5, 6 - secção central alucinante - , 8 e
9); meditativo (nº. 2) ou de carácter lúgubre, com o seu dobre de sinos e específica harmonia (nº. 7). 
Os 6 Momentos Musicais, op. 16, foram escritos em 1896. Em algumas destas peças perpassa um sopro chopiniano - atmosfera e harmonias dos nºs. 1, 4 e 5, no seu carácter doloroso, vertiginoso ou sereno. A voz e a raiz do autor reafirmam-
-se no delicadíssimo e ansioso nº. 2, na feição coral e elegíaca do nº. 3 e no dificílimo e avassalador nº. 6.
Lilazes e Margaridas são transcrições para piano solo do autor da extensa série de Canções para voz, respectivamente, op. 21 nº. 5, de 1900, e op. 38 nº. 3, de 1915. Os textos, de poetas russos da época, falam da beleza daquelas flores e dos sentimentos que a sua contemplação desperta; a parte de acompanhamento pianístico complementa a expressão dos poemas e evoca com felicidade a sua atmosfera. Nas transcrições para piano solo tudo se mantém cheio de frescura, de beleza e até da fragância que sugere o tema floral. 
Nas Sonatas op. 28 e op. 36 (esta de 1913, revista em 1931), Rachmaninov verteu uma catadupa avassaladora de pensamentos musicais, que, embora organizados, deixam sem fôlego não só o auditor como o intérprete. Complexas, eriçadas de dificuldades técnicas, “talhadas no granito”, ostentam um carácter monumental, e entroncam, nesse sentido, na linhagem da Sonata de Liszt. A primeira, op. 28, data de 1907; foi quase toda escrita em Dresden, onde então se encontrava o autor, e estreada em Outubro desse mesmo ano em Moscovo, pelo pianista Konstantin Igumnov. Difícil e extensa (c. de 45’), talvez por isso pouco ouvida ou gravada, patenteia sonoridades magníficas, grande amplitude melódica, uma linguagem harmónica sombria, um estilo muito pianístico e muito pessoal, respira e expira angústia e paixão. Sobre o escopo dos três andamentos, o autor refere, numa carta ao seu antigo colega Nikita Morozov, ter pensado “em três elementos opostos”, inspirados no Fausto de Goethe (não explicitamente citado); portanto, Fausto, Margarida e Mefistófeles (ideia também cara à estética lisztiana). Desde o início, transita por toda a obra um breve motivo intervalar (5ª), sujeito a diversas transformações; o material temático envolvido nos dois andamentos iniciais - atormentado e inquieto o primeiro, de melancólica e intensa beleza o segundo - reaparece no tumultuoso final, conferindo um traço de unidade a todo o conjunto.

J. Moura ( © )

Ref.: NUM 1125 [Cd Duplo]

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