"Dedico
este CD ao meu pai, a pessoa que mais me motivou e acarinhou para a música e
para a guitarra, incentivando-me insistentemente, por vezes até contra algum
negativismo que, em alturas menos boas, eu próprio deixava transparecer.
Agradeço
à minha família, à minha esposa em especial, pela compreensão e apoio, já que a
feitura de um disco implica muito tempo fora de casa, frequentemente em horas
menos próprias. O apoio da família foi essencial, especialmente pela dedicação
que têm tido para com os meus filhos César e Margarida, de 3 e 18 meses,
respectivamente, idades em que precisam de muito apoio. Já agora, aos filhotes
as minhas desculpas por o pai não estar tão presente como queria, mas este CD
faço-o, também, por eles e para eles.
Agradeço
encarecidamente o simbólico mas importante apoio, dos patrocinadores – a Câmara
Municipal e Associação Pró-Música da Póvoa de Varzim e ao Colégio de Nossa
Senhora do Rosário (Porto).
Ao
técnico de som, Nuno Silva, pelo empenho, entusiasmo e profissionalismo que
demonstrou no decorrer deste projecto e à restante equipa que compõe a Editora,
pela forma como se envolveram em todo o processo do disco.
Por
fim, dizer que estarei sempre agradecido aos professores Artur Caldeira e José
Pina que, em alturas diferentes da minha vida, motivaram e influenciaram a
minha visão sobre a guitarra, a música e a vida em geral. Professores que,
frequentemente, demonstraram uma entrega e dedicação que ultrapassava
largamente as suas funções estritamente lectivas.\" Carlos César Cunha
Silvius
Leopold Weiss
1
Fantasia - ré menor / D minor 02’40’’
Carlos
Seixas
Sonata
- lá menor / A minor (S. K. Nº 74)
2
1 – Allegro 03’30’’
3
2 – Minuet 00’50’’
Domenico
Scarlatti
4
1 – Andante cantabile - Lá Maior / A major (K209/L428) 04’00’’
5
2 – Allegro - Lá Maior / A major (K208/L238) 05’54’’
Johan
Sebastian Bach
6
Chaconne - ré menor / D minor (2ª Partita) 13’08’’
Dusan
Bognanovic
Levantine
Suite
7
1 – Prelude (Rubato – molto expressivo) 00’58’’
8
2 – Dance (Moderato, Ritmico) 01’54’’
9
3 – Cantilena (Rubato – quasi un recitativo) 02’06’’
10
4 – Passacaglia 02’24’’
11
5 – Postlude (Rubato – molto expressivo) 01’07’’
Fernando
Lopes-Graça
12
1 – Prelúdio 01’57’’
13
2 – Baileto 02’41’’
Leo
Brouwer
Elogio
de la Danza
14
1 – Lento 02’50’’
15
2 - Obstinato 02’28’’
Gerald
Garcia
Five
Celtic Pieces
16
1 – Rune of the Weaver 02’38’’
17
2 – Cuan ag Eirigh 02’14’’
18
3 – Tiarna Mhaigheo 00’57’’
19
4 – Airde Chuain 01’26’’
20
5 – Port ui Mhuirgheasa 01’03’’
Total:
56’07’’
Informação
detalhada:
DOIS
MUNDOS
Dois
mundos que representam duas épocas, o Barroco e Contemporâneo (século XX). Com
uma selecção de autores/obras que, apesar de dividirem o mesmo espaço temporal,
revelam recursos, abordagens e discursos musicais distintos que os caracterizam
e os categorizam entre os demais autores.
BARROCO
Perceba-se
que todas estas obras do período barroco são originais para outros instrumentos
e transcritos para a guitarra. Uma transcrição, inevitavelmente, assume uma
espécie de “ruptura” com a versão original. Uma “ruptura” porque a obra é
objecto de uma nova abordagem, confinada às possibilidades sonoras do
instrumento para o qual se transcreveu. Como tal não devemos ceder á tentação
auditiva de nos familiarizarmos com o original, mas encará-lo quase como uma
outra, ou renovada obra, se preferirem. O barroco é um período de afirmação da
música tonal e instrumental, na génese do contraponto e da escrita imitativa
por excelência. Torna-se uma época privilegiada para o exercício da
transcrição, já que permite, por exemplo, articular uma mesma frase musical de
maneiras diferentes, sem perda de qualidade, o que também ajuda a explicar de
alguma forma, a transcrição da mesma obra para instrumentos de características
tão diferentes.
De
todos os autores/obras que seleccionei para este CD, a Sonata (original para
cravo) de Carlos Seixas apresenta uma estrutura e abordagem musical mais
festiva, com uma energia que lembra um pouco Antonio Vivaldi e uma forte
corrente do barroco Italiano. Com um percurso tonal, progressões harmónicas e
redundância imitativa bem características de um barroco mais popular e familiar
do grande público, com a particularidade de ser uma sonata com um pequeno
Minueto contrastante, tem um brilho e uma energia empolgantes que a aparente
simplicidade da sua música, proporciona a quem ouve.
As
Sonatas de Domenico Scarlatti (originais para cravo) revelam uma densidade e
complexidade harmónica, que, especialmente na sonata lenta, lhe conferem um
peso dramático notável no seu discurso musical. Bastante arrojado para a época,
com progressões harmónicas pouco comuns, com recurso ao cromatismo que incide e
reincide nas suas obras. Insere-se claramente num grupo de compositores que
procura a dissonância de forma vanguardista, como elemento expressivo.
A
Fantasia de Leopold Weiss (original para alaúde), é uma pequena obra de belo
efeito. Com particularidades idiomáticas de um instrumento de corda, em que se
percebe, por exemplo, que a condução melódica assume períodos mais curtos, rica
em notas escapadas, pontos de ressonância culminantes e com uma ornamentação,
também ela diferente da música para teclas. Apesar de esta obra não assumir o
mesmo peso para o repertório guitarrístico de outras obras transcritas do
alaúde, como as 4 suites de Bach, parece pertencer a uma corrente mais
“romantizada” do barroco, onde se inserem inúmeros autores menos conhecidos.
Muito por culpa de autores como Johann Sebastian Bach que pertencem a um
reduzido número de génios que na sua época produziram com tal quantidade e
qualidade que chegam eles próprios a confundir-se com o período em que vivem,
monopolizando a atenção pelo fenómeno que são.
A
Chaconne de Johann Sebastian Bach (original para violino), obra emblemática do
autor, se por um lado aparenta a simplicidade de uma mesma cadência escrita e
reescrita quase como um “exercício” de escrita, revela simultaneamente um
sentido estético e formal muito à frente da sua época. O discurso musical
adensa-se de cadência em cadência, até culminar e ressurgir com uma
simplicidade idêntica à inicial, repetindo o processo até ao final da obra. A
maturidade técnica e sentido estético que o colocam como figura de proa do
barroco, talvez pela imensa obra coral que escreveu e lhe confere um domínio
sublime da linguagem harmónica, e/ou pela sua mestria no domínio do
contra-ponto. Nenhuma distribuição de vozes ou registo acontece por acaso em
Bach e esta obra que foi transcrita para variadíssimos instrumentos, todos tão
diferentes, torna-se a cada vez, quase uma nova obra e não menos rica em
efeito, apenas diferente.
É
um autor reincidente em transcrever, ele próprio, algumas das suas obras para
instrumentos diferentes.
CONTEMPORÂNEO-SEC
XX
No
repertório contemporâneo do século XX, tentei, como no barroco, escolher
obras/autores com abordagens bem diferentes. Algumas delas integram e
representam importantes tendências neste período, de tal forma características,
que influenciam a abordagem actual de compositores, um pouco por todo o mundo.
As
“Danças Celtas” de Gerald Garcia, são pequenas danças contrastantes,
construídas com uma forte e assumida inspiração folklorista. Uma corrente
preponderante no repertório guitarrístico, que não deixa esquecer o papel da
guitarra no folklore de inúmeros países, com particular incidência nos países
latinos. Uma obra original para guitarra e violino, adaptada para Guitarra
solo, evidenciando a forte tradição cultural celta, rica em baladas melodiosas
e maternais (qual canções de embalar), tempos de marcha, com pedais desenhados
no registo grave lembrando o som da gaita de foles, ritmos vivos e
contagiantes, a que normalmente associamos as danças e sapateado, típicos das
ocasiões festivas.
Leo
Brouwer, por sua vez, explora neste “Elogio da Dança”, ritmos, efeitos e climas
bem enérgicos que se opõem a momentos mais expressivos, conferindo a esta
pequena obra climas contrastantes que se fundem facilmente. Muito porque o
autor reincide motivos e sequências rítmicas em contextos harmónicos
diferentes, assumindo algum pendor motívico e imitativo que tornam a obra mais
fácil de perceber auditivamente e lhe conferem coesão. Sem dúvida que também
por ser intérprete, ciente das possibilidades do instrumento, explora os seus
limites de forma privilegiada. Trata-se de um compositor com repertório de
forte peso no panorama do ensino da guitarra actual, muito pela sua frequente
abordagem didáctica e metódica, muito lúcida tecnicamente e que introduz, de
forma progressiva e eficaz, a dissonância e outros elementos expressivos
alheios às regras e limites da musica tonal, catapultando o aluno para o mundo
da música contemporânea.
A
“Levantine Suite” de D. Bogdanovic é uma obra com scordatura (sexta corda em
Fá) e explora muito bem as ressonâncias que daí advêm, ou seja, a guitarra
ganha mais ressonância, em registos que normalmente não sustentam a sonoridade
e o compositor, inteligentemente, procura apoio em todas os pontos culminantes
e suspensivos, nesses registos. Como Brouwer, trata-se de um
compositor/intérprete, bem familiarizado com o instrumento e as suas
possibilidades. É uma Suite neo-modal de sonoridade peculiar, porque mistura
música antiga, com sonoridades alusivas á música tradicional vernácula do autor
(Balcãs) e uma forte influência jazística. É uma obra complexa ritmicamente,
porque obedece a um processo construtivo irregular, com mudanças constantes de
pulsação, jogando frequentemente com a mistura do ternário e binário (3+2) e
recorre inúmeras vezes a suspensões, desfazendo qualquer tentativa de nos
familiarizarmos auditivamente com padrões regulares na pulsação. É um autor
conhecido, também, pela importância que atribui à improvisação, fortemente
influenciado pelo jazz , já que a irregularidade e frequente ausência de
pulsação que referia há pouco, é também frequente num estilo que muitos músicos
adoptam no “free jazz”.
Lopes
Graça compõe, de entre várias obras, ainda pouco conhecidas e tocadas, este
“Prelúdio e Baileto”, que, como a obra de Brouwer, tem uma abordagem atonal mas
resulta com uma dimensão completamente diferente, porque, com certeza, é um
autor que compõe ao piano e não à guitarra. Apesar de, curiosamente, lidarem
ambos em vida com regimes de ditadura, são provenientes de gerações e
realidades completamente diferentes. Lopes Graça é um inconformado com o
sistema politico que vigorava e isso ouve-se na sua musica.
Rica
ritmicamente, não tanto em efeitos idiomáticos como o Elogio da Dança, com
ostinatos rítmicos e harmónicos, que reforçam uma linguagem mais densa e
dissonante. Parece querer imprimir alguma “dureza” sonora e rítmica, quase como
uma forma de marchar irreverentemente contra um sistema contra o qual lutou
toda a vida. Ao mesmo tempo consegue criar climas melancólicos e bucólicos que
parecem espelhar a alma de um artista de elevado nível intelectual que vivia
compondo com perseverança e paixão, à margem de um país mergulhado na
ignorância dominante na ditadura.
POST
SCRIPTUM
Em
cada um destes “Dois Mundos”, incluí um autor português, talvez porque a idade
e a experiência me fazem sentir, cada vez mais, impelido a valorizar o que é
genuíno e português, ou, simplesmente por respeito a quem tanto se dedicou à
arte no passado. Gostaria, também, de poder incluir em futuros trabalhos,
jovens compositores que vão despontando das várias escolas superiores e que eu
gostaria de ver mais tocados, gravados, ou, pelo menos, mais divulgados.
Com
um cenário difícil que arrasta músicos, editoras e todo o meio, numa conjuntura
desfavorável e, também, porque acumulo as funções de Professor e músico (como
muitos outros colegas do ensino artístico, com o sacrifício na gestão de tempo
que isso implica), este CD ganha um sabor ainda mais especial, na primeira pessoa,
pelo que, também, espero que os meus alunos ganhem motivação e alento com este
CD, para trabalharem mais e melhor.
Por
fim, as imprecisões que os ouvidos mais atentos vão certamente detectar,
acontecem essencialmente por estar habituado a tocar em público e não a gravar.
É o meu primeiro trabalho discográfico a solo e estou consciente que escolhi um
repertório arrojado e ambicioso. Devo referir, ainda, que procuro pessoalmente
e esta é também a minha escola técnica, explorar os limites da guitarra, com
uma preocupação muito virada para o volume, o brilho e outros elementos da
técnica/interpretação que tornam mais difícil despojar de ruídos de emissão,
tão específicos da guitarra e impossíveis de disfarçar em gravação, sem
prejuízo da interpretação e vitalidade que as obras em questão penso terem e
merecerem.
Aprendi
muito durante todo este processo de gravação, fiquei mais inteirado das
abordagens e possibilidades dos meios actuais que desconhecia completamente e,
também por isso, sinto que me valorizei profissionalmente.
Carlos
César Cunha
Ref.:
NUM 1151
Felicito-o pelo excelente trabalho e pela interpretação de grande qualidade.
ResponderEliminarMuitos parabéns e votos de grande exito!