sexta-feira, 29 de abril de 2011

Carlos César Cunha - DOIS MUNDOS







"Dedico este CD ao meu pai, a pessoa que mais me motivou e acarinhou para a música e para a guitarra, incentivando-me insistentemente, por vezes até contra algum negativismo que, em alturas menos boas, eu próprio deixava transparecer. 
Agradeço à minha família, à minha esposa em especial, pela compreensão e apoio, já que a feitura de um disco implica muito tempo fora de casa, frequentemente em horas menos próprias. O apoio da família foi essencial, especialmente pela dedicação que têm tido para com os meus filhos César e Margarida, de 3 e 18 meses, respectivamente, idades em que precisam de muito apoio. Já agora, aos filhotes as minhas desculpas por o pai não estar tão presente como queria, mas este CD faço-o, também, por eles e para eles.
Agradeço encarecidamente o simbólico mas importante apoio, dos patrocinadores – a Câmara Municipal e Associação Pró-Música da Póvoa de Varzim e ao Colégio de Nossa Senhora do Rosário (Porto).
Ao técnico de som, Nuno Silva, pelo empenho, entusiasmo e profissionalismo que demonstrou no decorrer deste projecto e à restante equipa que compõe a Editora, pela forma como se envolveram em todo o processo do disco.
Por fim, dizer que estarei sempre agradecido aos professores Artur Caldeira e José Pina que, em alturas diferentes da minha vida, motivaram e influenciaram a minha visão sobre a guitarra, a música e a vida em geral. Professores que, frequentemente, demonstraram uma entrega e dedicação que ultrapassava largamente as suas funções estritamente lectivas.\" Carlos César Cunha


Silvius Leopold Weiss
1 Fantasia - ré menor / D minor 02’40’’


Carlos Seixas
Sonata - lá menor / A minor (S. K. Nº 74)
2 1 – Allegro 03’30’’
3 2 – Minuet 00’50’’


Domenico Scarlatti
4 1 – Andante cantabile - Lá Maior / A major (K209/L428) 04’00’’
5 2 – Allegro - Lá Maior / A major (K208/L238) 05’54’’


Johan Sebastian Bach
6 Chaconne - ré menor / D minor (2ª Partita) 13’08’’


Dusan Bognanovic
Levantine Suite
7 1 – Prelude (Rubato – molto expressivo) 00’58’’
8 2 – Dance (Moderato, Ritmico) 01’54’’
9 3 – Cantilena (Rubato – quasi un recitativo) 02’06’’
10 4 – Passacaglia 02’24’’
11 5 – Postlude (Rubato – molto expressivo) 01’07’’

Fernando Lopes-Graça
12 1 – Prelúdio 01’57’’
13 2 – Baileto 02’41’’


Leo Brouwer
Elogio de la Danza
14 1 – Lento 02’50’’
15 2 - Obstinato 02’28’’


Gerald Garcia
Five Celtic Pieces
16 1 – Rune of the Weaver 02’38’’
17 2 – Cuan ag Eirigh 02’14’’
18 3 – Tiarna Mhaigheo 00’57’’
19 4 – Airde Chuain 01’26’’
20 5 – Port ui Mhuirgheasa 01’03’’

Total: 56’07’’


Informação detalhada:


DOIS MUNDOS

Dois mundos que representam duas épocas, o Barroco e Contemporâneo (século XX). Com uma selecção de autores/obras que, apesar de dividirem o mesmo espaço temporal, revelam recursos, abordagens e discursos musicais distintos que os caracterizam e os categorizam entre os demais autores.

BARROCO
Perceba-se que todas estas obras do período barroco são originais para outros instrumentos e transcritos para a guitarra. Uma transcrição, inevitavelmente, assume uma espécie de “ruptura” com a versão original. Uma “ruptura” porque a obra é objecto de uma nova abordagem, confinada às possibilidades sonoras do instrumento para o qual se transcreveu. Como tal não devemos ceder á tentação auditiva de nos familiarizarmos com o original, mas encará-lo quase como uma outra, ou renovada obra, se preferirem. O barroco é um período de afirmação da música tonal e instrumental, na génese do contraponto e da escrita imitativa por excelência. Torna-se uma época privilegiada para o exercício da transcrição, já que permite, por exemplo, articular uma mesma frase musical de maneiras diferentes, sem perda de qualidade, o que também ajuda a explicar de alguma forma, a transcrição da mesma obra para instrumentos de características tão diferentes.
De todos os autores/obras que seleccionei para este CD, a Sonata (original para cravo) de Carlos Seixas apresenta uma estrutura e abordagem musical mais festiva, com uma energia que lembra um pouco Antonio Vivaldi e uma forte corrente do barroco Italiano. Com um percurso tonal, progressões harmónicas e redundância imitativa bem características de um barroco mais popular e familiar do grande público, com a particularidade de ser uma sonata com um pequeno Minueto contrastante, tem um brilho e uma energia empolgantes que a aparente simplicidade da sua música, proporciona a quem ouve.
As Sonatas de Domenico Scarlatti (originais para cravo) revelam uma densidade e complexidade harmónica, que, especialmente na sonata lenta, lhe conferem um peso dramático notável no seu discurso musical. Bastante arrojado para a época, com progressões harmónicas pouco comuns, com recurso ao cromatismo que incide e reincide nas suas obras. Insere-se claramente num grupo de compositores que procura a dissonância de forma vanguardista, como elemento expressivo.
A Fantasia de Leopold Weiss (original para alaúde), é uma pequena obra de belo efeito. Com particularidades idiomáticas de um instrumento de corda, em que se percebe, por exemplo, que a condução melódica assume períodos mais curtos, rica em notas escapadas, pontos de ressonância culminantes e com uma ornamentação, também ela diferente da música para teclas. Apesar de esta obra não assumir o mesmo peso para o repertório guitarrístico de outras obras transcritas do alaúde, como as 4 suites de Bach, parece pertencer a uma corrente mais “romantizada” do barroco, onde se inserem inúmeros autores menos conhecidos. Muito por culpa de autores como Johann Sebastian Bach que pertencem a um reduzido número de génios que na sua época produziram com tal quantidade e qualidade que chegam eles próprios a confundir-se com o período em que vivem, monopolizando a atenção pelo fenómeno que são.
A Chaconne de Johann Sebastian Bach (original para violino), obra emblemática do autor, se por um lado aparenta a simplicidade de uma mesma cadência escrita e reescrita quase como um “exercício” de escrita, revela simultaneamente um sentido estético e formal muito à frente da sua época. O discurso musical adensa-se de cadência em cadência, até culminar e ressurgir com uma simplicidade idêntica à inicial, repetindo o processo até ao final da obra. A maturidade técnica e sentido estético que o colocam como figura de proa do barroco, talvez pela imensa obra coral que escreveu e lhe confere um domínio sublime da linguagem harmónica, e/ou pela sua mestria no domínio do contra-ponto. Nenhuma distribuição de vozes ou registo acontece por acaso em Bach e esta obra que foi transcrita para variadíssimos instrumentos, todos tão diferentes, torna-se a cada vez, quase uma nova obra e não menos rica em efeito, apenas diferente. 
É um autor reincidente em transcrever, ele próprio, algumas das suas obras para instrumentos diferentes.

CONTEMPORÂNEO-SEC XX
No repertório contemporâneo do século XX, tentei, como no barroco, escolher obras/autores com abordagens bem diferentes. Algumas delas integram e representam importantes tendências neste período, de tal forma características, que influenciam a abordagem actual de compositores, um pouco por todo o mundo.
As “Danças Celtas” de Gerald Garcia, são pequenas danças contrastantes, construídas com uma forte e assumida inspiração folklorista. Uma corrente preponderante no repertório guitarrístico, que não deixa esquecer o papel da guitarra no folklore de inúmeros países, com particular incidência nos países latinos. Uma obra original para guitarra e violino, adaptada para Guitarra solo, evidenciando a forte tradição cultural celta, rica em baladas melodiosas e maternais (qual canções de embalar), tempos de marcha, com pedais desenhados no registo grave lembrando o som da gaita de foles, ritmos vivos e contagiantes, a que normalmente associamos as danças e sapateado, típicos das ocasiões festivas.
Leo Brouwer, por sua vez, explora neste “Elogio da Dança”, ritmos, efeitos e climas bem enérgicos que se opõem a momentos mais expressivos, conferindo a esta pequena obra climas contrastantes que se fundem facilmente. Muito porque o autor reincide motivos e sequências rítmicas em contextos harmónicos diferentes, assumindo algum pendor motívico e imitativo que tornam a obra mais fácil de perceber auditivamente e lhe conferem coesão. Sem dúvida que também por ser intérprete, ciente das possibilidades do instrumento, explora os seus limites de forma privilegiada. Trata-se de um compositor com repertório de forte peso no panorama do ensino da guitarra actual, muito pela sua frequente abordagem didáctica e metódica, muito lúcida tecnicamente e que introduz, de forma progressiva e eficaz, a dissonância e outros elementos expressivos alheios às regras e limites da musica tonal, catapultando o aluno para o mundo da música contemporânea.
A “Levantine Suite” de D. Bogdanovic é uma obra com scordatura (sexta corda em Fá) e explora muito bem as ressonâncias que daí advêm, ou seja, a guitarra ganha mais ressonância, em registos que normalmente não sustentam a sonoridade e o compositor, inteligentemente, procura apoio em todas os pontos culminantes e suspensivos, nesses registos. Como Brouwer, trata-se de um compositor/intérprete, bem familiarizado com o instrumento e as suas possibilidades. É uma Suite neo-modal de sonoridade peculiar, porque mistura música antiga, com sonoridades alusivas á música tradicional vernácula do autor (Balcãs) e uma forte influência jazística. É uma obra complexa ritmicamente, porque obedece a um processo construtivo irregular, com mudanças constantes de pulsação, jogando frequentemente com a mistura do ternário e binário (3+2) e recorre inúmeras vezes a suspensões, desfazendo qualquer tentativa de nos familiarizarmos auditivamente com padrões regulares na pulsação. É um autor conhecido, também, pela importância que atribui à improvisação, fortemente influenciado pelo jazz , já que a irregularidade e frequente ausência de pulsação que referia há pouco, é também frequente num estilo que muitos músicos adoptam no “free jazz”. 
Lopes Graça compõe, de entre várias obras, ainda pouco conhecidas e tocadas, este “Prelúdio e Baileto”, que, como a obra de Brouwer, tem uma abordagem atonal mas resulta com uma dimensão completamente diferente, porque, com certeza, é um autor que compõe ao piano e não à guitarra. Apesar de, curiosamente, lidarem ambos em vida com regimes de ditadura, são provenientes de gerações e realidades completamente diferentes. Lopes Graça é um inconformado com o sistema politico que vigorava e isso ouve-se na sua musica.
Rica ritmicamente, não tanto em efeitos idiomáticos como o Elogio da Dança, com ostinatos rítmicos e harmónicos, que reforçam uma linguagem mais densa e dissonante. Parece querer imprimir alguma “dureza” sonora e rítmica, quase como uma forma de marchar irreverentemente contra um sistema contra o qual lutou toda a vida. Ao mesmo tempo consegue criar climas melancólicos e bucólicos que parecem espelhar a alma de um artista de elevado nível intelectual que vivia compondo com perseverança e paixão, à margem de um país mergulhado na ignorância dominante na ditadura.

POST SCRIPTUM
Em cada um destes “Dois Mundos”, incluí um autor português, talvez porque a idade e a experiência me fazem sentir, cada vez mais, impelido a valorizar o que é genuíno e português, ou, simplesmente por respeito a quem tanto se dedicou à arte no passado. Gostaria, também, de poder incluir em futuros trabalhos, jovens compositores que vão despontando das várias escolas superiores e que eu gostaria de ver mais tocados, gravados, ou, pelo menos, mais divulgados.
Com um cenário difícil que arrasta músicos, editoras e todo o meio, numa conjuntura desfavorável e, também, porque acumulo as funções de Professor e músico (como muitos outros colegas do ensino artístico, com o sacrifício na gestão de tempo que isso implica), este CD ganha um sabor ainda mais especial, na primeira pessoa, pelo que, também, espero que os meus alunos ganhem motivação e alento com este CD, para trabalharem mais e melhor.
Por fim, as imprecisões que os ouvidos mais atentos vão certamente detectar, acontecem essencialmente por estar habituado a tocar em público e não a gravar. É o meu primeiro trabalho discográfico a solo e estou consciente que escolhi um repertório arrojado e ambicioso. Devo referir, ainda, que procuro pessoalmente e esta é também a minha escola técnica, explorar os limites da guitarra, com uma preocupação muito virada para o volume, o brilho e outros elementos da técnica/interpretação que tornam mais difícil despojar de ruídos de emissão, tão específicos da guitarra e impossíveis de disfarçar em gravação, sem prejuízo da interpretação e vitalidade que as obras em questão penso terem e merecerem. 
Aprendi muito durante todo este processo de gravação, fiquei mais inteirado das abordagens e possibilidades dos meios actuais que desconhecia completamente e, também por isso, sinto que me valorizei profissionalmente.

Carlos César Cunha

Ref.: NUM 1151


1 comentário:

  1. Felicito-o pelo excelente trabalho e pela interpretação de grande qualidade.
    Muitos parabéns e votos de grande exito!

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