sexta-feira, 29 de abril de 2011

In Monasterio Aveirensi - Música para a Princesa Santa Joana de Aveiro

In Monasterio Aveirensi 
Música para a Princesa Santa Joana de Aveiro



I-Tunes:

Esta é a estreia mundial, em registo discográfico, da Missa de Santa Joana (ca.1770) de David Perez, uma obra que existia apenas em folhas dispersas na Biblioteca Nacional, até que Mário Marques Trilha chamou a si a árdua tarefa de as juntar, datar e anotar a musica (com a ajuda de outros especialistas). Este esforço musicólogo materializa-se na interpretação do jovem agrupamento coral e instrumental de Aveiro Ensemble Joanna Musica, que, liderado por Trilha, celebra neste trabalho a Princesa da sua cidade, a partir do próprio Coro Alto do Museu de Aveiro.

O disco inclui ainda estreias mundiais de outras peças litúrgicas e instrumentais, associadas à Princesa Joana e à Santa Mafalda, bem como uma peça para órgão interpretada por Edite Rocha no órgão histórico do Coro Alto (1794).
Trata-se, a nosso ver, de um disco indispensável para a compreensão da Musica Portuguesa do Século XVIII.


Informação detalhada:


In Monasterio Aveirensi - Música para a Princesa Santa Joana de Aveiro
Ensemble Joanna Musica
Mário Marques Trilha


David Perez (1711-1778)

Missa de Santa Joana

1 Kyrie I 02’22’’
2 Christe (2,3) 01’22’’
3 Kyrie II 02’28’’
4 Gloria 01’39’’
5 Laudamus te (3, 6, 7) 03’11’’
6 Gratias 01’52’’
7 Domine Deus (1) 02’12’’
8 Qui Tollis (6) 03’42’’
9 Quoniam (1) 02’14’’
10 Cum Sanctu Spiritu 02’43’’
11 Credo 01’56’’
12 Et incarnatus (3,4) 01’05’’
13 Crucifixus (2, 5, 8, 9) 02’06’’
14 Et ressurexit 02’31’’
15 Et vitam 01’04’’
16 Sanctus 02’07’’
17 Benedictus 01’54’’
18 Agnus Dei 02’28’’



Soror da Piedade (séc. XVIII)

19 Discurso de 1º Tom (Órgão Solo) 03’02’’




José Joaquim dos Santos (1741-1801)

20 Calenda de Santa Joana 03’47’’



Anónimo / Anonymous (séc. XVIII)

21 Responsório de Santa Mafalda de Arouca* 02’29’’



Mário Marques Trilha (1969)

22 Musica per Joanna 05’09’’



Total: 53’10’’



In Monasterio Aveirensi

Música para Santa Joana de Aveiro

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Possesio Maris – Mensagem Fernando Pessoa 



Se não tivesse tido o privilégio de nos últimos dois anos, ter dirigido o ciclo Música no Museu de Aveiro, o presente CD jamais teria existido. Explico-me melhor: no decorrer do ciclo busquei de maneira cada vez mais intensa e consequente valorizar o património musical do barroco português, e enquanto intérprete, especialmente a segunda metade do século XVIII, período que corresponde ao património arquitectónico da Igreja de Jesus e do coro alto do Museu de Aveiro



Durante este processo, que decorria, por assim dizer, na casa da Santa Joana, ocorreu-me uma ideia simples, talvez mesmo óbvia, mas que de tão óbvia e simples, ainda não tinha sido posta em prática por nenhum dos meus colegas músicos ou musicólogos: Investigar se havia música setecentista dedicada directamente a Santa Joana de Aveiro. Até então quando se falava em música ligada a Santa Joana a associação com o canto gregoriano era praticamente automática. Para minha grata surpresa encontrei na Biblioteca Nacional um razoável corpus setecentista de peças ligadas ao culto da princesa Aveirense. Estas peças formam um conjunto muito heterogéneo, e vão desde de simples versos gregorianos com acompanhamento de órgão até uma missa completa a 5 vozes.



Deste material, seleccionei, sem hesitar duas obras: A Calenda de Santa Joana Princesa e a Missa de Santa Joana., ambas as peças nunca tinham sido editadas, e encontram-se apenas cópias manuscritas do século XVIII, que estão depositadas na Biblioteca Nacional.

O primeiro problema que encontrei foi identificar os compositores destas obras. No caso da Calenda, não foi muito difícil desvendar a questão da autoria, pois na própria catalogação da BN, já havia uma atribuição ao compositor José Joaquim dos Santos (1747-1801) feita pelo musicólogo Rui Cabral, que foi confirmada, através do estudo da caligrafia e datação das marcas d’agua do papel, pelo eminente especialista Dr. João Pedro d’Alvarenga. Já descobrir o compositor da Missa de Santa Joana, foi realmente mais complexo. O manuscrito está catalogado como de autor anónimo, também não há partitura geral, só chegaram até nos as partes separadas de cada uma das cinco vozes e a linha do órgão (baixo-contínuo) o que transformava o trabalho de transcrição a uma actividade muito semelhante a montar um puzzle de milhares de peças. Mais uma vez o estudo da datação do papel situava o período da composição. Durante esta fase, contei com a inestimável ajuda do Professor J.P d’Alvarenga. A medida que começava a “visualizar” a composição, e a sua grande qualidade intrínseca, comecei a considerar que se pudesse tratar de uma obra de David Perez, que foi um dos maiores compositores em actividade em Portugal na segunda metade do XVIII. Expus esta hipótese ao Prof. d’Alvarenga, que a considerou como muito provável, na sequência contactei o maior especialista mundial na obra sacra de David Perez, o Prof. Maurício Dottori da Universidade Federal do Paraná Brasil, que após minucioso estudo, assegurou que a missa de Santa Joana é inquestionavelmente da autoria de Perez, e precisou que pelos elementos estilísticos nela encontrados, trata-se de uma composição da última década de vida do compositor (1770). Nesta época, mais precisamente em 1774, ocorre a elevação de Aveiro a bispado evento de grande importância que justifica a encomenda, a um compositor celebre em toda a Europa, que estava afecto ao serviço da rainha D. Maria I, e era muito estimado por esta soberana, de uma missa dedicada a Santa Joana: Permite nos compreender que a música também desempenhou um papel extremamente importante, durante as comemorações da elevação de Aveiro a bispado, que ocorreram na onda das compensações pombalinas a Aveiro. 

A missa de Santa Joana é um verdadeiro compendio de composição, posto que constituída de 18 andamentos, dá margem ao compositor de mostrar diversas facetas de sua técnica, e passa por movimentos homofónicos , fuga, solos, duos, trio e quarteto, e utiliza quase todo vocabulário harmónico disponível nos tratados coevos de baixo-continuo , como as progressões de baixo por saltos de quarta ,evocando um carácter mais em estilo do século XVII no Gratias, as muito características sequencias de baixo por saltos de quinta no Laudamus Te, e no grupo final Sanctus, Benedictus e Agnus Dei., e também da utilização muito frequente de acordes de nona e quarta, que são praticamente o material mais dissonante possível neste período.
A singularidade deste obra estar subdividida em 18 andamentos, é uma prova da importância desta encomenda, e também uma prova de fé do compositor, e sendo invulgar, não é um caso isolado no panorama musical do século XVIII e XIX, vide a grande Missa em si menor de J.S. Bach e a Missa Solemnis de L. Beethoven 




Completam este CD, o responsório de Santa Mafalda, o discurso de 1ºTom de Soror da Piedade e a Musica per Joanna. 

O Responsório de Santa Mafalda é um dueto para sopranos e baixo-contínuo, da segunda metade do século XVIII, de autor anónimo, e proveniente do Mosteiro de Arouca, actualmente depositado na Biblioteca Nacional de Lisboa, sob a catalogação MM 1045. Beatificadas com cem anos de intervalo, (Santa Joana em 1693; Santa Mafalda 1793) as duas Infantas deram aos seus mosteiros uma notoriedade que se perpetua até aos dias de hoje na devoção.

Oriundas da Casa Reinante, estas duas Infantas, Mafalda e Joana, encheram de lustro a coroa portuguesa, capitalizaram a atenção nacional e determinaram a grandeza dos seus mosteiros. No manuscrito estão apontados os nomes de Soror Maria do Patrocínio e Soror Maria Barbara, que eram provavelmente as cantoras responsáveis pela execução desta peça, que poderá ter sido composta para as festas da beatificação O texto é baseado no cântico dos cânticos, e talvez seja uma alusão ao breve casamento da Infanta Mafalda com Henrique I de Castela.




O discurso de 1º Tom para órgão, é uma obra de estilo clássico e poderá ter sido composta por Soror da Piedade, o que constituiria um raro caso de uma mulher compositora em Portugal, na segunda metade do XVIII, creio no entanto, especialmente por já ter me deparado com este nome anotado em manuscritos de órgão de outros autores, tratar-se de uma organista, e não uma compositora. O manuscrito desta peça pertence a colecção particular do Professor Gerahrd Doderer.

A Musica per Joanna é uma homenagem de minha autoria a Princesa Santa Joana, e foi composta para a reabertura do Museu de Aveiro em 18 de Dezembro de 2008.Com textos em latim e português retirados da compilação intitulada cancioneiro de Santa Joana, feita nos anos cinquenta pelo Dr. António Christo. E é dedicada ao Fidalgo de Santo António de Aveiro.



Mário Marques Trilha


Ref.: NUM 1183



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