sexta-feira, 29 de abril de 2011

IN RECITAL


BRUNO MONTEIRO - Violino | JOÃO PAULO SANTOS - Piano



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IN RECITAL

O termo “recital” designa, no domínio da música e desde meados do séc. XIX, uma prestação pública de um instrumentista solista ou de um pequeno grupo de músicos. Anteriormente conotado com um discurso ou uma narrativa, ou ainda a execução ou interpretação de uma obra musical específica, o recital como nova forma de apresentação pública de um artista veio revolucionar a vida musical europeia a partir do momento em que Franz Liszt criou o seu protótipo, nas temporadas que decorreram entre os anos de 1837 e 1840, dispensando grande parte dos colaboradores com que era frequente um dado intérprete conceber e realizar os programas de vastas dimensões (geralmente centrados em torno de árias de óperas e fantasias a partir das mesmas) com que se apresentava em público com o objectivo de divulgar a qualidade dos seus projectos e assim angariar alunos e patronos. Aparecendo por vezes a solo nas referidas temporadas, nomeadamente em Londres, Liszt tinha perfeita consciência da ousadia que tal atitude representava; assim, abriu um importante precedente na criação de uma instituição musical baseada na pessoa e na individualidade do artista, geralmente pianista ou violinista, em torno do qual veio a desenvolver-ser um verdadeiro culto. 
Inicialmente centrados em obras da autoria do próprio intérprete, os recitais passaram desde a década de 1860 a incluir um repertório “clássico” cujo cerne era composto por obras de Haydn, Mozart e Beethoven, mas também Schumann e Brahms. Virtuosos como Joseph Joachim, Henry Vieuxtemps (violino) e Anton Rubinstein (piano) adoptaram esta fórmula. Com o desenvolvimento do ensino musical na segunda metade do séc. XIX, o recital passou também a constituir uma ocasião de excelência para o julgamento da prestação de artistas emergentes, e portanto a constituir um factor determinante na prossecução de carreiras musicais. 
O recital sofreu, a partir dos anos 1960, vicissitudes várias ligadas à redução do número de músicos amadores que constituíam o núcleo do seu público e ao desenvolvimento de formas concorrentes de entretenimento, mas por outro lado foi revigorado pela facilidade de deslocação que os novos meios de transporte permitiam e pelo estímulo que importantes concursos internacionais de instrumento passaram a constituir. Bruno Monteiro e João Paulo Santos inserem-se nesta tradição ao apresentar obras de carácter virtuosístico que se tornaram a seu tempo pedras-de-toque do repertório violinístico.


Informação detalhada:


Johannes Brahms (1833-1897)


1. Nota biográfica
Johannes Brahms ocupa um lugar de destaque na história da música ocidental, não só pela qualidade intrínseca das suas composições como pela sua atitude a favor da chamada “música pura” (ou seja, independente de associações extra-musicais literárias), destacando-se por isso da corrente que defendia no seu tempo a dita “música do futuro”, representada por personalidades tais como Franz Liszt. 
Filho de um contrabaixista da orquestra do Teatro Estatal de Hamburgo, estudou violino com o pai, piano com Otto Cossel e composição com Eduard Marxsen. A partir dos primeiros anos da adolescência foi levado a tocar para ganhar a vida em situações diversas, incluindo teatros e tabernas. 
A relação estabelecida com dois violinistas de renome veio alterar substancialmente o rumo da sua carreira, contribuindo decisivamente para o pleno desenvolvimento do seu potencial artístico. Primeiramente, em 1853, Brahms foi contratado para acompanhar o virtuoso húngaro Ede Reményi numa tournée de concertos; as deslocações que assim efectuou proporcionaram-lhe a ocasião de contactar com inúmeras personalidades do meio musical, incluindo Joseph Joachim, outro violinista de grande reputação que o recomendou a Liszt e Robert Schumann. 
Entre Brahms, este último e a sua esposa Clara veio a estabelecer-se uma relação de grande amizade e conivência artística; o artigo Neue Bahnen (“Novos Caminhos”) que Schumann escreveu a seu respeito na célebre publicação Neue Zeitschrift für Musik em Outubro de 1853 contribuiu inequivocamente para o estabelecimento da sua reputação como compositor. Nos últimos anos da década de 1850 Brahms dirigiu um coro na corte de Lippe-Detmold, tendo igualmente sido professor de piano da Princesa Friederike. A estreia do seu 1º Concerto para Piano e Orquestra em Leipzig em 1859 saldou-se num notório fracasso que só dez anos mais tarde viria a ser reparado com o sucesso público da obra Ein Deutsches Requiem. 
A partir de 1862 instalou-se em Viena, onde dirigiu a Singakademie durante a temporada seguinte e a Gesellschaft der Musikfreunde entre 1872 e 1875. A sua actividade nos anos que decorreram entre esta data e a da sua morte, ocorrida em Viena, dividiu-se entre a composição e a realização de tournées de concertos como pianista. 
Tendo legado obras de incontestável valor em todos os géneros musicais praticados no seu tempo excepto a ópera, operou em quadros formais clássicos inovando profundamente a nível motívico-temático, harmónico e rítmico. Recusando sistematicamente a música programática, procurou nas suas sinfonias (das quais a primeira foi longamente amadurecida entre 1855 e 1876) perpetuar a herança sinfónica de Beethoven, cuja obra admirava profundamente.

2. Scherzo para Violino e Piano em Dó menor WoO2 
Esta obra testemunha da relação de amizade, colaboração e conivência artística que se desenvolveu entre o Brahms e o violinista Joseph Joachim, que o compositor conheceu em Göttingen em 1853 durante uma tournée de concertos que realizava no norte da Alemanha com Ede Reményi. 
Composto em Outubro de 1853, o Scherzo para Violino e Piano em Dó menor WoO2 foi estreado em Düsseldorf a 28 de Outubro do mesmo ano e publicado postumamente em 1906. Ele constituía inicialmente o 3º andamento de uma obra colectiva, da responsabilidade de Brahms, de Robert Schumann (que compôs os 2º e 4º andamentos) e de Albert Dietrich, discípulo deste último (que contribuiu com o 1º andamento). Esta sonata, designada pelas iniciais F. A. E. (“Frei, aber einsam”, ou “livre mas solitário”, lema do intérprete para quem foi concebida) veio a dar lugar à 3ª Sonata para Violino e Piano de Schumann, que acabou por escrever dois andamentos suplementares para substituir os inicialmente compostos pelos seus dois colaboradores.



Gabriel Fauré (1845-1924)

1. Nota biográfica
Gabriel Fauré é considerado por vários autores a personalidade musical francesa mais original do seu tempo. Destacando-se da corrente classicista defendida por alguns dos seus conterrâneos e do cromatismo exacerbado de Richard Wagner e César Franck, desenvolveu um estilo pessoal que viria a afectar vários compositores ao longo das primeiras décadas do séc. XX. As suas pesquisas nos domínios harmónico e melódico tiveram também uma notável e duradoura influência sobre a prática pedagógica da composição no seu país.
Nascido em Pamiers (Ariège), Fauré cedo manifestou dotes musicais; em Outubro de 1854 ingressou na École de Musique Classique et Religieuse que Louis Niedermeyer tinha fundado em Paris no ano anterior. Aí realizou a sua formação musical ao longo de onze anos durante os quais colheu importantes influências que viriam a definir elementos-chave da sua linguagem, nomeadamente no que diz respeito à modalidade gregoriana e ao estudo dos mestres alemães do passado, como J. S. Bach. A partir de 1861, os seus estudos de piano foram guiados por Camille Saint-Saëns, cujos conselhos cedo extrapolaram para o domínio da composição; através dele, Fauré veio a conhecer a música de Schumann, Liszt e Wagner.
Enquanto organista, desenvolveu uma carreira ao longo de trinta anos em Igrejas como Saint Sauveur (Rennes), Notre Dame de Clignancourt, Saint Honoré d’Eylau, Saint Sulpice e Madeleine (Paris). Em 1872 passou a frequentar o salon de Pauline Viardot; conheceu assim importantes nomes do meio musical parisiense (d’Indy, Lalo, Duparc, Chabrier, entre outros) com quem viria a constituir no ano seguinte a Société Nationale de Musique, no quadro da qual se deram várias estreias de obras suas. Em 1896 foi nomeado professor de composição no Conservatório de Paris, que dirigiu entre 1905 e 1920; entre os inúmeros discípulos que orientou nessa instituição contam-se personalidades como Maurice Ravel, Charles Koechlin, Florent Schmitt e Nadia Boulanger. A surdez que o afectou nos últimos anos da sua vida determinou o isolamento em que faleceu; reconhecido como um dos mais importantes compositores franceses do seu tempo, teve honras nacionais nas suas exéquias. 

2. Sonata nº 1 para Violino e Piano em Lá Maior Op.13
A Sonata nº 1 para Violino e Piano em Lá Maior Op.13 de Gabriel Fauré consagra, juntamente com os seus dois quartetos com piano Op. 15 e Op. 45, a reputação do compositor no domínio da música de câmara. Vários autores vêm nela o início de uma tradição especificamente francesa que não tardaria a desenvolver-se, nomeadamente com a célebre Sonata para Violino e Piano de César Franck (1885) e com as obras subsequentes do mesmo género de Claude Debussy e Maurice Ravel, entre outros.
Escrita em grande parte na Normandia durante uma estadia de Verão em casa de amigos do compositor, em 1875, a obra foi completada no ano seguinte e estreada num dos concertos da Société Nationale de Musique na Sala Pleyel, em Paris, a 27 de Janeiro de 1877; foram intérpretes a violinista Marie Tayau e o próprio Fauré. A crítica, encabeçada por Camille Saint-Saëns, não deixou de admirar profusamente a qualidade inovadora da obra, espelhada na busca de novas formas, modulações, sonoridades e ritmos, notando ainda que o resultado dessa pesquisa se encontrava envolto num “charme” que garantia o seu sucesso junto do público. Ainda assim, a obra foi sucessivamente recusada por editores franceses que temeram as audácias estéticas nela incluídas, tendo sido finalmente publicada na Alemanha, pela firma Breitkopf und Härtel, sob a condição que o autor renunciasse aos direitos comerciais que naturalmente detinha sobre ela.
Em termos biográficos, a Sonata nº 1 para Violino e Piano em Lá Maior Op.13 reflecte as alegrias, a frescura e o ardor de um dos períodos mais felizes da vida do compositor, que corresponde ao curto noivado com Marianne Viardot, filha de Pauline Viardot e irmã do violinista Paul Viardot, a quem a obra é dedicada.
Segundo Harry Halbreich, esta obra em quatro andamentos inclui influências contraditórias como as de Robert Schumann e Camille Saint-Saëns, mas afirma de forma concludente vertentes essenciais da personalidade artística do seu autor que obras subsequentes viriam a revelar, desenvolver ou confirmar. Ela mantém até aos dias de hoje um lugar de destaque no repertório de variados intérpretes de música de câmara.



Ottorino Respighi (1879-1936)

1. Nota biográfica
Nascido em Bolonha, Ottorino Respighi começou os seus estudos musicais (violino e piano) durante a infância; mais tarde, no Liceo Musicale da sua cidade natal, prosseguiu a sua formação instrumental (violino e viola) com Frederico Sarti, tendo igualmente estudado composição com Luigi Torchi (que estimulou nele um profundo e duradouro interesse pela música antiga) e Giuseppe Martucci. 
Nos anos 1900-1903 passou vários meses na Rússia, tocando viola em orquestras como a da Ópera de São Petersburgo e aprofundando os seus conhecimentos junto de Nicolai Rimsky-Korsakov, que o influenciou decisivamente em matéria de orquestração. Em Berlim, beneficiou de um outro breve (e aparentemente infrutífero) período de estudo com Max Bruch em 1902.
De regresso a Bolonha em 1903, manteve uma actividade como instrumentista de orquestra, como compositor e realizando arranjos de obras dos sécs. XVII e XVIII. A partir de 1911 centrou a sua actividade instrumental no domínio do acompanhamento ao piano e em 1913 foi nomeado professor de composição no Liceo Musicale di S. Cecilia. Entre 1923 e 1926 dirigiu o Conservatório di S. Cecilia; para além disso, ensinou composição até 1935 na Accademia di S. Cecilia. 
Nos últimos anos da sua vida viajou bastante, dirigindo e interpretando obras suas; no seu país natal recebeu numerosas distinções, tendo sido admirado por Mussolini apesar de manter uma postura política neutra. Problemas de saúde impediram-no de compor a partir de 1933. A sua reputação repousa maioritariamente sobre as suas obras orquestrais e arranjos de música instrumental do Barroco e da transição para o Classicismo. Embora no início da sua carreira tenha obtido sucesso com algumas óperas, tal não voltou a acontecer quando revisitou o género no final da vida.

2.Sonata para Violino e Piano em Si menor
Esta obra, escrita em Roma em 1916-1917, data de um período em que o seu autor vacilou entre possibilidades estéticas por vezes contraditórias; a par de uma atitude fundamentalmente experimental revelada em obras como o ciclo de canções Deità silvane, também de 1917, e a peça orquestral Ballata delle gnomidi, de 1919, a Sonata para Violino e Piano em Si menor parece trair a influência de Giuseppe Martucci e apontar para os modelos oitocentistas do mesmo género, incluindo a supra mencionada Sonata para Violino e Piano de César Franck. Estreada em Bolonha a 3 de Março de 1918 pelo violinista Frederico Sarti com o próprio Respighi ao piano, esta obra de amplas proporções não utiliza temas baseados em modos gregorianos, como é o caso de várias obras ulteriores do mesmo autor; no entanto, a adopção da Passacaglia como estrutura formal no último andamento da sonata constitui um eloquente testemunho do interesse que o compositor nutria pela música do passado desde os anos da sua formação.
A interacção entre os dois instrumentos em texturas que exigem grande virtuosidade de ambos os intérpretes contribui para o carácter verdadeiramente camerístico da obra e resulta provavelmente do facto que Respighi era um executante proficiente nos dois instrumentos.



Pablo de Sarasate (1844-1908)

1. Nota biográfica
Pablo de Sarasate representa o ideal do violinista virtuoso do séc. XIX, tendo composto algumas obras para o seu instrumento que ainda hoje integram o repertório de importantes intérpretes.
Nascido em Pamplona em 1844, iniciou a sua formação instrumental aos cinco anos de idade, tendo dado o seu primeiro recital público aos oito. Duas importantes ajudas (primeiramente da Condessa de Espoz y Mina, e depois da própria Rainha Isabella) permitiram-lhe prosseguir os seus estudos em Madrid, com M. R. Saez, e em Paris, com Delphin Alard; no conservatório desta cidade obteve “primeiros prémios” (recompensa máxima) em violino, solfejo e harmonia entre 1857 e 1859. Iniciou então uma intensa carreira internacional que o levou aos mais importantes palcos da Europa e das Américas, tendo estimulado compositores como Max Bruch, Camille Saint-Saëns, Edouard Lalo, Antonin Dvorak, Joseph Joachim e Henryk Wieniawski a escrever para ele.
As suas qualidades instrumentais, frequentemente louvadas por comentadores diversos, foram consignadas em nove registos fonográficos realizados em 1904 e recentemente reeditados em CD. A sua reputação como compositor repousa sobre 54 números de opus, dos quais se destacam obras como Zigeunerweisen op. 20 e Spanische Tänze (Op. 21, 22, 23, 26).

2. Zigeunerweisen Op. 20 nº 1
A composição de um vasto número de peças características para violino (e orquestra ou piano) ao longo do séc. XIX veio enriquecer consideravelmente o repertório do instrumento. Entre as mais importantes dessas peças figura Zigeunerweisen Op. 20 n.1, da autoria de Pablo de Sarasate. 
Composta em 1878 e estreada em Leipzig no decurso do mesmo ano, esta obra baseia-se em temas populares húngaros, nomeadamente nos ritmos das csárdás, dança tradicional popularizada por bandas de música associadas à etnia cigana e difundidas em países vizinhos como a Sérvia, a Eslováquia, a Eslovénia e a Croácia, entre outros.
Num só andamento que compreende quatro secções com diferentes tempi, esta obra é sem dúvida a mais popular do seu autor, tendo-se mantido no repertório de concertos e gravações até aos dias de hoje; Sarasate legou-nos a sua própria interpretação dela, num dos registos fonográficos que realizou em 1904. Zigeunerweisen op. 20 n.1 tem igualmente suscitado a atenção de vários produtores cinematográficos, destacando-se o filme Zigeunerweisen, que Seijun Suzuki realizou em 1980 a partir do romance “O disco de Sarasate” de Hyakken Uchida.

Ana Telles

IN RECITAL

JOHANNES BRAHMS (1833-1897)
Scherzo para Violino e Piano em Dó menor Wo02
Sonatensatz for Violin and Piano in C minor Wo02
1 Allegro 05’29’’

GABRIEL FAURÉ (1845-1924)
Sonata n.1 para Violino e Piano em Lá Maior Op.13
Sonata n.1 for Violin and Piano in A Major Op.13
2 Allegro molto 10’01’’
3 Andante 06’43’’
4 Scherzo: Allegro vivo 04’15’’
5 Finale: Allegro quasi Presto 05’18’’

OTTORINO RESPIGHI (1879-1936)
Sonata para Violino e Piano Si menor
Sonata for Violin and Piano in B minor
6 Moderato 09’14’’
7 Andante espressivo 07’59’’
8 Passacaglia: Allegro moderato ma enérgico 07’02’’ 

PABLO DE SARASATE (1844-1908)
9 Zigeunerweisen Op.20 n.1 07’48’’

total: 64’05’’

BRUNO MONTEIRO Violino/ Violin
JOÃO PAULO SANTOS Piano


Ref.: NUM 1179


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