quinta-feira, 14 de abril de 2011

Orquestra Raízes Ibéricas, direcção de Piero Bellugi e Paulo Martins - Bruno Belthoise - Christina Margotto - Jed Barahal - Marta Eufrázio Geografia da Música IV

Loja on-line

Carlos Seixas

1/12 Concerto para Cravo e Cordas em Lá Maior (Christina Margotto, piano)
Allegro | Adagio | Giga: Allegro 07’11’’



Luigi Boccherini
13/24 Concerto para Violoncelo e Orquestra em Sol Maior
Allegro | Adagio | Allegro 15’04’’



Wolfgang A.Mozart
25/50 Divertimento em Ré Maior, K 136
Allegro | Andante | Presto 16’41’’



Béla Bartók
51/57 Danças Populares Romenas (solos concert master M. Eufrázio) 08’11’’
51 - Jocul cu Bâta (Dança do Bastão)
52 - Brâul (Dança do Cós)
53 - Pe Loc
54 - Buciumeana
55 - Poarga Româneasca (Polca Romena)
56 - Maruntel
57 - Maruntel



Fernando Lopes-Graça
58/68 Melodias Rústicas Portuguesas (para piano a 4 mãos) 14’28’’
58 - Canto do S. João
59 - Este ladrão novo
60 - Deus te salve, ó Rosa
61 - S’nhora da Póvoa
62 - Oração de S. José
63 - Pastoril transmontano
64 - À Virgem se confessou
65 - Canção de berço
66 - Ó da Malva, ó da Malvinha!
67 - Martírios
68 - Maragato son



José Atalaya
69/71 Música Poliédrica (para piano e computer music) 11’06’’
69 - Quatro sons em desassossego
70 - Tsunami
71 - Descoberta do fogo – Apocalipse nuclear



Total: 72’01’’




Geografia da Música IV - CONTRASTES
MÚSICA POLIÉDRICA - MNMA*



I - Intróito a um autor português nascido há 300 anos
Santiago Kastner descobre Carlos Seixas



Santiago Kastner, na histórica e primeiríssima biografia de um dos maiores compositores mundiais do Barroco. Sente-se a luz do seu deslumbramento, ao ponto de se lhe referir na página 131 da sua biografia: 
“Estamos em 1945. Durante quase três lustros nos dedicámos ao revivescer da arte de Carlos Seixas. Fizemos conferências, escrevemos acerca da sua obra, executámos as suas Sonatas, o seu Concerto, na Alemanha, na Bulgária, na Espanha, na Estónia, na Finlândia, na França, na Holanda, na Inglaterra, na Itália, em Portugal, na Suécia, na Jugoslávia: colegas nossos estrangeiros, tanto musicólogos como concertistas, repararam na arte de Seixas e secundaram e continuam a secundar o nosso labor. Outros sim, historiadores e pianistas portugueses se dedicaram à arte de Seixas. Figura hoje o nome de Seixas nos programas dos concertos de quase todos os países europeus e americanos. Nos livros que no estrangeiro se publicam sobre música de tecla, sobre a música de tecla do século XVIII aparece com frequência o nome de Seixas.” 
Mais adiante (a referência é de 1945, como vimos) Kastner lamenta: “Nenhuma rua de Lisboa, Coimbra, Porto comemora o nome do insigne compositor, nenhum monumento, nenhuma pedra, nomeia em lugar público o apelido de um dos mais gloriosos criadores musicais 
emanados do seio da nação portuguesa”.
Palavras amargas ditas há mais de meio século. 
Contem este CD a versão para piano desse único concerto que escapou à hecatombe de 1755. Couberam no primeiro CD gravado para a Numérica três versões da mesma partitura de Seixas: cravo, para órgão, para guitarra. Ideia (bizarra!). Contudo o editor não recuou minimamente ao saber da excepcional qualidade do elenco de solistas convidados (Marcos Magalhães, Artur Caldeira, Rui Paiva) para esse primeiro disco da Orquestra Atalaya - Raízes Ibéricas. Novamente, em 2010, com a aguardada versão pianística de Christina Margotto. Registe-se, comparativamente, audaciosas inovações nos “tempi”, nas dinâmicas! Trata-se - Senhores! - do seu ÚNICO concerto com solista que escapou por milagre ao terramoto de 1755.
Santiago Kastner, investigador do Instituto Espanhol de Musicologia, poisa em Lisboa, no Conservatório Nacional, graças a Ivo Cuz, o seu então director. Um belo dia se apaixona, como vimos, pelos nossos setecentistas músicos. Escrevendo (“forçando”!) sucessivas edições, anos e anos seguidos. “Cravistas Portugueses” (Magúncia. 1935) a primeira grande (enorme) revelação. 
Recordo Kastner com a saudade de inúmeras visitas ao tranquilo aposento, forrado de preciosos livros e de documentação inédita - cuja abordagem por qualquer músico seria cobiçada com volúpia. Ele viera de fora para revelar a todo o mundo que Seixas, aos 38 anos, morre em glória. Mais de metade da sua monumental obra (muitíssimo mais!) foi destruída pelo fogo o que contribuíu para o esquecimento da sua obra, comparável, em extensão e qualidade, à de dois grandes músicos ingloriamente ignorados até ao século passado. António Vivaldi (que morrera no ano anterior), Luigi Boccherini – que viria a nascer no ano seguinte.
O escândalo do seu esquecimento pelos “nossos” – como de costume - rebenta portanto só em 1935. Kastner com um único livro ressuscita-o. Mérito da Coimbra Editora, livro seguido de “Cravistas Portugueses” ( Magúncia, também de 1935). 
Morava bem perto de mim, bastava-me atravessar a Avenida da República. Depois de o rebuscar (tantas vezes) nesse livro (sagrado…) pude ir lendo em seus olhos e na voz (estrangeirada, estrangulada pela emoção) as aventuras espantosas daquele menino de Coimbra, nascido no ano de 1704. Um menino sempre ávido de se empoleirar no enorme Orgão do Pai, músico de prestigio local. 
Fascinado fiquei, de facto, mal decorridas as primeiras linhas do meticuloso livro de Kastner. É que Carlos Seixas aos 16 anos decide deixar tudo para descer afoito até Lisboa, duzentos quilómetros a Sul. Solavancos, incomodidades (maiores ainda do que as de Mozart pela Europa, pouco depois), muitas paragens, antes de conseguir avistar o tão falado sítio, o do Aqueduto das Livres Águas, para depois “esmiuçar” as maldades da majestática e altiva nobreza da Corte de Lisboa. Tempos de D. João V, preparando-se - aquele órfão de Pai, para competir, afoito, em qualquer órgão da Corte, com os “craques” da época. Indagado, quanto às eventuais incapacidades, precisamente (imagine-se) pelo irmão (António) do próprio Rei, o Magnânimo!
Roídos de inveja. Quando, porém, suscitado o tema a Domenico Scarlatti - génio da Europa então aqui residente de passagem – o Italiano surpreende toda “aquela gente” (como diria Medina Carreira), a gente da política e da alta aristocracia – Scarlatti, surpreso:“nada sei que lhe saiba ensinar!” 
Os que envolviam o monarca (cínicas vénias) depressa calam o bico!
Seixas, decorridos três séculos, afirma-se como nosso maior autor do barroco, podendo conviver a sua música, pela qualidade, encanto, originalidade, com o melhor de J. S. Bach, Vivaldi, e de Mozart, conforme se prova neste disco mais adiante. Apesar de destruídas centenas das suas obras no terramoto de 1755.


Ref.: NUM 1208




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