terça-feira, 3 de maio de 2011

António Victorino D'Almeida - SINFONIA Nº 2 - CONCERTINO


I-Tunes:

SINFONIA Nº2, op. 114

2 Moderato assai 06’13’’

3 Allegro quasi un scherzo 05’44’’

4 Allegro 08’47’’




Direcção/Conductor: Yuan Fang
Dedicado a Maria do Céu Guerra
Direcção/Conductor: Álvaro Cassuto


Informação detalhada:



Um retrato de António Victorino D’Almeida (com Jean Cocteau ao fundo)1

“Falar sobre música é como dançar sobre arquitectura.”

4 “Considero que a música, pela sua natureza, é essencialmente incapaz de expressar o que quer que seja, um sentimento, uma atitude da mente, uma disposição psicológica, um fenómeno da natureza, etc.” Igor Stravinsky, An Autobiography, 1935, Calder and Boyars ed., 1975, p.53.

3 Embora os exemplos sejam demasiados numerosos para citar aqui, deixo só uma indicação ao leitor curioso: Frère Thibault. 

2 A referência ao título “A Fábrica dos Sons” de António Victorino D’Almeida (edição NUM 1114 ).



1 Título baseado em György Ligeti, “Auto-retrato com Reich e Riley (e Chopin ao fundo),” Schott, 1976.



Fredrick Gifford

E se depois de dizer tudo isto eu estiver enganado? E se a citação não pertencer sequer a Cocteau?

Por esta altura, o leitor poderá protestar, acusar-me de não falar directamente sobre a música contida neste CD. Mas provavelmente isso não incomodará muito o compositor. A principal razão por que a provocatória citação de Cocteau veio à mente para começar foi uma questão de apropriação (e aqui os ecos de Igor Stravinsky, grande colaborador de Cocteau, são bem evidentes 4) ou, antes, do inapropriado que é falar prolixamente de música cujo discurso se baseia na vivência de uma viagem em voltas e revoltas inesperadas, correndo por tantos estilos, velocidades, tonalidades e ambientes quantos os minutos nas peças.

Ainda de passagem: estamos perante uma abordagem multifacetada à arte, com vasta produção. Eis um homem que tanto escreve obras originais como crónicas ou críticas, que tanto faz filmes como conserva o papel de personalidade na história cultural do seu país. É algo que tanto se pode afirmar de Cocteau como de António Victorino D’Almeida.

Nesta junção de paródia e humor, a nossa linha de pensamento divaga ainda por outro compositor - um que está, sem dúvida, muito próximo do espírito de Victorino D’Almeida - o americano Charles Ives. Nas paródias musicais de Ives (aqui o termo aplica-se no sentido literal), encontram-se hinos religiosos em contraponto com peças patrióticas (por vezes de forma bastante cómica) e isto é feito não para minimizar as fontes de origem, mas para que estas protagonizem um novo diálogo - um efeito semelhante às justaposições na música de Victorino D’Almeida.

Mas na música de Victorino D’Almeida, a paródia não implica que sejam literalmente inseridas melodias conhecidas nas suas texturas. Antes resulta, no mesmo espírito dos seus predecessores modernistas, das rápidas evocações de situações “profanas” que desafiam as formas canónicas da sinfonia enquanto música erudita. No entanto, na música do compositor português, o desafio não deve ser tomado de modo frívolo - de facto, o humor pode ser assunto bastante sério.

Existe ainda outra característica comum em Cocteau e António Victorino D’Almeida: a utilização do instrumento de dois gumes que é a paródia. Claro que em Cocteau, falamos de paródia dramática. Mas em Victorino D’Almeida lidamos com dois tipos de paródia: a da música e a da comédia (e, com tantas arestas, é pouco provável que toda a gente saia ilesa...). A paródia musical corresponde à antiga prática de criar novas composições a partir de trechos musicais pré-existentes. Era empregue intensivamente pelos compositores dos finais da Idade Média e início do Renascimento, por exemplo no uso inócuo de um motete (sagrado) a quatro vozes para compor uma missa a cinco vozes. Mas, por vezes, aventurava-se na integração flagrante de uma chanson em texturas polifónicas de música sacra, projectando o profano no sagrado de uma forma que roçava os limiares do sacrilégio.3 Claro que esta técnica de tão elevado potencial foi entusiasticamente readoptada no século passado pelos surrealistas e neoclássicos que trabalhavam na Paris de Cocteau e continua a encontrar eco em Victorino D’Almeida.

Antes do chamado período pós-moderno, era hábito falar-se em colagem ou pastiche, e, aparentemente, a sátira implícita neste último termo (com tudo o que isso tem de “Cocteauniano”) é fulcral na obra de Victorino d’Almeida. De que outra forma poderia um stinger (cadência nada subtil) aparentemente saído dos filmes da Era Dourada de Hollywood dar tão facilmente lugar a uma trama delicada evocando um éter impressionista? Como pode uma Americana “à Gershwin” conviver tão pacificamente com a valsa vienense? (Embora eu tenha citado Cocteau, o olhar de Victorino D’Almeida não se detém nas fronteiras de França). A sátira resulta da construção de novas continuidades a partir de incompatibilidades aparentes.

Em seguida, existe uma linha de pensamento centrada em volta da apropriação - Cocteau como o espoliador criativo do drama grego em La Machine Infernal, por exemplo. (De facto, a actividade mecânica sugerida pelo título de Cocteau pode servir como metáfora adequada à “fábrica orquestral”2 que encontramos na presente gravação, onde os músicos trabalham incansavelmente para efectuar - de uma forma quase imperceptível - um grande número de alterações estilísticas). Talvez espoliador seja um termo demasiado forte, mas é difícil resistir à imagem do dramaturgo Francês como uma espécie de Giovanni Belzoni surrealista, gravando as suas iniciais nas pirâmides do drama grego. E Belzoni traz-nos de volta ao tema da apropriação cultural - o que seria do British Museum sem os seus obeliscos? Tudo isto para perguntar: porque não há-de poder António Victorino D’Almeida exportar do contexto original os estilos dos monumentos musicais e moldá-los para atingir os seus fins criativos? De facto, é a pluralidade das apropriações do compositor que conduz o seu discurso musical. 

Primeiro, a escolha da citação de Cocteau levanta uma questão de proximidade histórica. A música de António Victorino D’Almeida incluída neste CD, apesar de não ser contemporânea do modernismo de Cocteau (as peças aqui registadas foram escritas depois da morte do autor francês), imediatamente conjura o universo sonoro associado com a Paris de Cocteau dos anos 20 e 30 do século passado. O ouvinte familiarizado com a música da capital francesa durante a primeira metade do século XX partilhará o sorriso sardónico do compositor ao encontrar reminiscências de Debussy, Gershwin, Stravinsky, Ravel, Honegger, Prokofiev, Auric e até Satie. Tais “reminiscências” não são mera citação, mas antes a evocação de um estilo (ou estilos) e dos adornos que se lhe associam. Como se o compositor se vestisse com os trajes e os hábitos de uma determinada época, escrevendo pelo menos algumas frases musicais bem-comportadas, antes de avançar para a próxima “paragem” estilística. 

Quando encontrei pela primeira vez esta citação, ela era atribuída a Jean Cocteau. Desde então, sempre que a reencontro, a sua autoria muda. (E se consultarmos a Internet, que está a tornar-se numa quase infinita fonte de desinformação, tenho a certeza de que a encontraremos ligada a várias personagens famosas). Em qualquer caso, a universalidade da sua atribuição demonstra a sua pertinência assim como a tendência da cultura em geral para se apropriar de boas ideias e as integrar. Não é por acaso que escolhi esta frase para enquadrar um pequeno retrato da música de António
Orquestra Sinfónica Portuguesa

5 CONCERTINO, op. 111 20’48’’

Festival Symphony Orchestra

1 Allegro assai 10’49’’ 


Ref.: NUM 1191




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