terça-feira, 3 de maio de 2011

António Victorino D'Almeida - SINFONIA Nº 3 - SINFONIA Nº 4

I-Tunes:

Oquestra Filarmonia das Beiras

Direcção/Conductor: António Victorino D’Almeida



SINFONIA Nº3, op. 142 (Viana do Castelo)

Câmara Municipal de Viana do Castelo

1 Lento non troppo 09’09’’ 
2 Moderato 05’45’’
3 Scherzo - Allegro molto 06’54’’
4 Allegro assai 04’57’’



SINFONIA Nº4, op. 153 (Funchal)

DRAC - Madeira

5 Allegro 08’53’’ 
6 Andante 05’49’’
7 Allegretto 07’14’’
8 Allegretto semplice 06’22’’


Informação detalhada:


A 3ª e 4ª Sinfonias de
António Victorino D’Almeida


Nas notas de programa incluídas na partitura da 3ª Sinfonia,1 António Victorino D’Almeida faz referência a uma frase atribuída a Dom João II (ca. 1455-1495): “há tempos de coruja e tempos de falcão”. A citação do Rei surge no contexto de uma avaliação do experimentalismo, em que o falcão representa a imagem do predador esperto e oportunista (o compositor de esboços sonoramente sedutores mas sem desenvolvimento) contrastando com a coruja sagaz (o metódico artesão que arduamente constrói uma obra completa). Já este contexto é revelador acerca da perspectiva de um compositor que atribui opus às obras editadas em 2007 e 2009 (op. 142 (Sinfonia nº 3) e op. 154 (Sinfonia nº 4), respectivamente)2 : é como se o compositor quisesse assegurar ao ouvinte que está perante uma obra completa e cuidadosamente elaborada num plano de quatro andamentos, como acontece em ambas as obras aqui registadas - daí o nome sinfonia. Mas este termo também deve ser entendido no seu significado original (isto é, oriundo da Itália, durante o período final do Renascimento), onde implicava um grupo de diferentes instrumentos a produzir sons [-phonia] em conjunto [syn-]. De facto, parece que ao invocar este diálogo com a tradição, Victorino D’Almeida proporciona um enquadramento para a interacção do ouvinte com a sua música.3



Compreender “como o tempo passa”4 é extremamente importante, uma problemática que moldou grande parte da música escrita no Séc. XX (e, tendo em conta a astuta observação de D. João II, esta questão seria conhecida pelo menos desde o Séc. XV). Voltando à Coruja e ao Falcão, desta vez focar a questão temporal por trás da citação do Monarca oferece-nos uma perspectiva para compreender os diferentes tipos de tempo ou a forma como o tempo musical se comporta na música de Victorino D’Almeida. De facto, parece existir uma pensada utilização de ambas as abordagens - estilo coruja e estilo falcão, para edificar um equilíbrio interno de “opostos”. A forma tradicional sinfónica de múltiplos andamentos confere os seus contrastes inerentes: rápido – lento – dança – rápido. Uma sinfonia de Victorino D’Almeida começa geralmente com um complexo (estilo coruja) primeiro andamento (apesar de que, nestas obras, qualquer verdadeiro vestígio da forma sonata é virtualmente eclipsado), seguido por um andamento lírico luxuriante (mas sempre com alguns episódios rebeldes), a seguir, uma dança sardónica (estilo falcão), muitas vezes um scherzo ou uma valsa, e termina com um inevitável finale, funcionando como contrapeso em relação ao primeiro andamento (apesar de que no final da 4a Sinfonia dá-se um desvio digno de atenção na velocidade frenética esperada).



Se estes contrastes são, na maioria, atributos inerentes aos andamentos, então é na maneira como o tempo é gerido dentro de cada um que reside a invenção do compositor. Como referido previamente, a forma tradicional de sonata (com todas as implicações tonais) foi substituída por procedimentos formais semelhantes aos empregues na obra de referência de Stravinsky, Sinfonias para instrumentos de sopro (1921). Nesta peça, o título, “sinfonias,” refere-se aos três diferentes tipos de música de que é constituída a obra, cada um com a sua velocidade e carácter próprios. Em Stravinsky, são combinados para formar uma nova continuidade, sendo o tipo de música em dado momento interrompido pelo seguinte, criando



Algo de semelhante acontece nestas sinfonias de Victorino D’Almeida, que evoca a dinâmica da “Coruja e do Falcão”.

aparentemente oportunistas (estilo falcão).



Mas, se o compositor abandonou o tratamento de sonata tradicionalmente associado aos andamentos sinfónicos, este desfile de personagens no palco, constantemente a mudar de roupa, recebe estrutura de dois arquétipos formais, nomeadamente, a larga forma de arco associada aos andamentos líricos e a forma “rondo”. Isto revela uma “vénia” aos mestres clássicos: é impossível não pensar nos andamentos delicados de Haydn, ao encontrar a indicação Allegretto na 3ª Sinfonia de Victorino D’Almeida, e no desprezo de Mozart pelos Adagios nas sinfonias, amplamente demonstrado pela ausência de qualquer trecho letárgico demasiadamente prolongado.



Grandes formas em arco são empregues em ambos os andamentos de dança (o 3º andamento de ambas sinfonias neste CD), onde, na quarta sinfonia por exemplo, uma valsa suave interrompe um Allegretto áspero. Os segundos andamentos “Lentos” (aqui, um Moderato e um Andante, respectivamente) continuam o jogo de justaposição dos andamentos iniciais, conferindo à sinfonia no seu todo uma unidade global que paira acima do tumulto das mudanças de carácter e velocidade da superfície.



E, finalmente, se o leitor permite um último devaneio de natureza ornitológica: será que na obra de António Victorino D’Almeida a coruja também caça de dia e o falcão voa de noite?



Fredrick Gifford



1 AVA Musical Editions nº 070022, 2007.

3 Para uma discussão de como funciona este diálogo noutra obra recente de Victorino D’Almeida, Quarteto de Cordas, op. 148, ver as notas do CD NUM 1182.

4 Stockhausen, Karlhienz. \"… wie die Zeit vergeht…\" (\"…Como passa o Tempo…\"), Die Reihe, 1, London: Universal Edition, 1957.




Orquestra Filarmonia das Beiras



A Orquestra Filarmonia das Beiras nasceu em 1997, no âmbito do programa governamental para a criação de uma rede de orquestras regionais, e deu o seu primeiro concerto no dia 15 de Dezembro desse ano. Desde então, realizou cerca de 1000 concertos e afirmou-se como instituição de reconhecida importância na região em que se insere. A sua acção tem em vista o desenvolvimento da cultura musical, através de acções de captação, sensibilização e fidelização de públicos e, também, no apoio à formação profissionalizante de jovens músicos. Nesse sentido, tem colaborado com escolas de música e jovens músicos da região, organizado cursos de Direcção de Orquestra, realizou o projecto Orquital - desenvolvido em parceria com a Universidade de Aveiro, que utiliza as novas tecnologias da comunicação para a sensibilização e educação musicais e que deu lugar a um CD-ROM e um site na Internet - e desenvolve anualmente um projecto intitulado “Música na Escola”, que já levou a música a mais de 80 mil crianças do 1.º Ciclo.

A Orquestra é regularmente dirigida por alguns maestros estrangeiros e pelos mais conceituados maestros em actividade em Portugal e tem colaborado com músicos de grande prestígio nacional e internacional. Simultaneamente, a OFB tem procurado dar oportunidade à nova geração de músicos portugueses, sejam eles maestros, instrumentistas ou cantores.

Dedicando-se normalmente à execução do reportório específico para uma formação clássica, com obras que vão desde o Séc. XVII ao Séc. XXI, a OFB tem, sob a Direcção Artística do Maestro António Vassalo Lourenço, dado particular importância à interpretação de música portuguesa. A vontade de proporcionar novas experiências artísticas ao público tem levado à abordagem de outras áreas musicais como a música para filmes ou o teatro musical, e à colaboração com diversos artistas do panorama nacional onde se incluem, Maria João, Mário Laginha, Bernardo Sassetti, Dulce Pontes, David Fonseca, Nuno Guerreiro, Mariza, Gilberto Gil, Carlos do Carmo, Alessandro Safina, Maria Amélia Canossa, Yolanda Soares, Rui Reininho e José Carreras.
Estrutura Financiada pelo Ministério da Cultura / Direcção-Geral das Artes.

A par do seu papel de dinamização e descentralização cultural, a OFB tem-se afirmado no panorama musical português através de importantes participações nos principais festivais de música do país e no estrangeiro, e ainda através da cooperação com outros organismos artísticos ou da participação em importantes co-produções.

2 A data destas composições de Victorino D’Almeida é difícil de estabelecer porque, por exemplo, o último andamento da sinfonia nº 3 utiliza material do filme A Culpa, realizado pelo próprio em 1980.


Nem o “rondo” está limitado ao finale – antes penetra todas as partes do desfile. A tradicional repetição foi substituída pelo refrão, pois, apesar das personagens reaparecerem no palco, existem sempre variações subtis nos seus disfarces orquestrais, escritas na partitura (parafraseando Bartók, a moda da repetição formal exacta passou). Mas na música de Victorino D’Almeida, até o refrão participa no jogo temporal, visto que uma excelente forma de sentir a passagem do tempo é ficar quieto - musicalmente conseguido retornando ao início e repetindo de novo o jogo. Isto aumenta a percepção das diferentes justaposições e confere mais dramatismo a qualquer mudança.


O compositor prefere começar com algum material, por exemplo um scherzo sardónico (Sinfonia 3, III), uma canção nostálgica inventada relembrando a sua juventude (Sinfonia 4, IV), ou ainda material temático derivado da sua música composta para o seu filme, A Culpa (Sinfonia 3, IV), e usá-lo como base para as suas variações “temporais” durante um andamento. Aspectos do material de base são trabalhados numa variedade de cenários, onde cada versão seguinte colide de alguma forma com a velocidade ou o universo harmónico ou a textura musical da anterior (como se o que se segue apresentasse o tempo de outra maneira). Assim, o compositor cria um desfile de sucessões coerentes (estilo coruja) de mudanças


uma sucessão caleidoscópica de mudanças.

Ref.: NUM 1192



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