segunda-feira, 2 de maio de 2011

António Victorino D'Almeida - A Fábrica Dos Sons


António Victorino D'Almeida


I-Tunes:

“A Fábrica dos Sons apresenta um relato verbal vertido em português por Maria de Medeiros, com a subtileza discursiva e perfeita dicção que caracterizam o brilho oral da prestigiada actriz e realizadora. Pluharlieder permite fruir, em alemão, a força telúrica e a intensidade expressiva de Erika Pluhar, uma das máximas figuras do seu país no âmbito da canção tradicional austríaca e do \"café-concerto\".
Os Pluharlieder, como o seu nome indica, associam indissoluvelmente a obra sinfónica à sua intérprete vocal e autora dos textos. A Fábrica dos Sons, pelo contrário, é (ou parece ser) independente da identidade e/ou género do relator.
Esta especificidade encobre, paradoxalmente, uma analogia fulcral: as duas vozes são femininas, e não só; também simbolizam relações muito fortes do compositor: Maria de Medeiros é sua filha e Erika Pluhar é sua partenaire artística desde há décadas, em espectáculos um pouco por tudo mundo.”


Alejandro Erlich Oliva

(extr.) Lisboa, Maio de 2004



1 / 12 - A FÁBRICA DOS SONS | Op. 45 - 50’24’’


Orquestra Sinfónica “Tonkünstler” de Viena

Direcção: António Victorino D’Almeida

Narradorar: Maria de Medeiros



PLUHARLIEDER | Op. 74

13 - O que sonhamos - 03’18’’ 

14 - Estar no fim - 04’02’’ 
15 - Esquece a sorte - 03’06’’ 
16 - Deixa-me só - 02’50’’ 
17 - Pois que seja - 02’01’’
18 - Deixa que aconteça - 03’27’’
19 - Os heróis - 03’26’’
20 - Canção do passado - 03’04’’



Orquestra da Brucknerhaus de Linz

Direcção: António Victorino D’Almeida

Voz: Erika Pluhar



Tempo total: 01’15’38’’

Informação detalhada:

A FÁBRICA DOS SONS e PLUHARLIEDER

As diferenças da semelhança num compositor igual a si próprio


Duas composições muito peculiares preenchem este CD com música sinfónica de António Victorino D\'Almeida.

De facto, poucas analogias são assinaláveis entre estas duas obras, claramente diferenciadas tanto na sua génese como nos seus objectivos. No entanto, a melhor maneira de salientar as diferenças é compreender as semelhanças. E elas estão ali, a talho de foice, evidenciadas por dois aspectos:



1) A presença da voz humana



A Fábrica dos Sons apresenta um relato verbal vertido em português por Maria de Medeiros, com a subtileza discursiva e perfeita dicção que caracterizam o brilho oral da prestigiada actriz e realizadora. Pluharlieder permite fruir, em alemão, a força telúrica e a intensidade expressiva de Erika Pluhar, uma das máximas figuras do seu país no âmbito da canção tradicional austríaca e do \"café-concerto\".

Os Pluharlieder, como o seu nome indica, associam indissoluvelmente a obra sinfónica à sua intérprete vocal e autora dos textos. A Fábrica dos Sons, pelo contrário, é (ou parece ser) independente da identidade e/ou género do relator.

Esta especificidade encobre, paradoxalmente, uma analogia fulcral: as duas vozes são femininas, e não só; também simbolizam relações muito fortes do compositor: Maria de Medeiros é sua filha e Erika Pluhar é sua partenaire artística desde há décadas, em espectáculos um pouco por tudo mundo.



2) As características endógenas da paleta orquestral



A Fábrica dos Sons é, nitidamente, um exemplo de música programática. A partitura sinfónica descreve e

comenta as alternativas de um texto que o ouvinte vai conhecendo com antecedência.

Pluharlieder é um ciclo de canções com acompanhamento sinfónico. O texto e a música perfazem um todo de percepção simultânea.
Em A Fábrica dos Sons, a estética oscila entre o ambiente nostálgico-circence dos filmes de Charlot e o caos controlado que caracteriza certa música pioneira da contemporaneidade, com sobreposição de temas em diferentes tonalidades, um pouco à maneira das primeiras experiências de Charles Ives em princípios do século XX.
Muito pelo contrário, a partitura dos Pluharlieder é declaradamente tonal, embora no sentido mais \"moderno\" e flexível do termo.
A Fábrica dos Sons sobrevoa a atmosfera própria dos acompanhamentos ao vivo nos espectáculos de cinema mudo e da música original dos começos do cinema sonoro. Mesmo quando o nível de complexidade alcançado afasta a obra das raízes estilísticas que a inspiraram, subsiste um aroma indefinivelmente anglo-americano dos anos 20, próprio do drama chaplinesco-industrial (por assim dizer) que o hilariante texto relata.
Por sua vez, Pluharlieder inscreve-se com clareza num género de canção popular urbana germânica, posicionada algures no meio entre o \"Wiener Kabaret\" e a roupagem musical de Kurt Weill para a dramaturgia de Brecht.
Num passe de prestidigitação bem sucedido, as diferenças assinaladas fazem surgir uma grande semelhança, que reside principalmente nas características endógenas da paleta orquestral. Com isto quero dizer, concretamente, que estas
duas obras tão diferentes têm em comum uma infalível eficácia técnica na sua orquestração.
Vigora nestas partituras uma perfeita utilização dos recursos tímbricos e um indeclinável respeito pela \"fisiologia\" de cada sector instrumental (mais uma vez, obrigado, Fernando Lopes-Graça, pela penetrante expressão que instala a lógica da Biologia no âmbito da Música...). As intervenções solísticas estão invariavelmente na tessitura certa e permitem a cada instrumento respirar à vontade e expressar-se no seu próprio idioma musical. As passagens virtuosísticas podem ser eventualmente difíceis mas jamais são impossíveis. A escrita não pede maçãs ao limoeiro e vai buscar os efeitos onde eles melhor resultam.
A arte da orquestração, por alguns considerada uma ciência, exige um profundo saber oficinal, um profissionalismo sem fissuras. Se a isto acrescentarmos nobreza na condução melódica, inteligência nas harmonizações, rigor nos procedimentos contrapontísticos e equilíbrio no sentido da forma, estaremos perante o perfil inconfundível de um compositor sinfónico a sério. É essa a essência deste CD.



Nestas duas realizações, António Victorino D\'Almeida consegue manter o seu itinerário criador, distanciando-se tanto do radicalismo experimentalista como da tentação das soluções fáceis. Está implícito nestas obras o enigmático provérbio

in extremis, medium, acunhado com subtil humorismo pelo ilustre argentino Oliverio Girondo. 

António Victorino D\'Almeida está de regresso de todos os \"ismos\". Dono e senhor de uma experiência musical de cinco décadas, não se demite da sua liberdade criadora, assumida com coragem na juventude e tenazmente cultivada ao longo de uma carreira onde tudo o que fez e faz foi e será honesto, polémico, discutível e, por isso mesmo, fascinante. Há, no entanto, dois aspectos que não admitem discussão: a solidez da sua formação técnica, inerente aos grandes professores que orientaram os seus estudos, e a sua fecundidade artística, materializada num catálogo de mais de 180 composições.
Para além da sua acção multidisciplinar como pianista, escritor, historiador, realizador de televisão, chefe de orquestra, etc., António Victorino D\'Almeida é, acima de tudo, um compositor maduro em plena floração, um marco referencial na hora de avaliar quem é quem na evolução da modernidade musical portuguesa.



Alejandro Erlich Oliva

Lisboa, Maio de 2004


Ref.: NUM 1114



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